
Por Maria Gabriela Cardoso
Naquelas horas flácidas,
lânguidas da manhã outonal de abril chuvoso
sob os átomos convalescendo
abri as janelas com um sopro de ânimo
renovando minhas pétalas
Observei as árvores e os pássaros cantando.
Em altíssono por seus bicos
tão míopes das barbáries
naquele sátiro, sádico, ilógico
solo despótico
O cálice estava sobre a mesa vazia de comida.
tirando as minhas sílabas, meus verbos,
colocando-me censuras, silêncios, parênteses,
tapando a boca na catástrofe orquestrada
pelo espetáculo do chefe de Estado
Entre as dívidas e as cóleras
que tocam a úlcera do estômago
sem um grão íntegro para comer
o povo tornou-se vítima do próprio voto
Nesse ínterim, sou poetisa, versejo o mundo sob as minhas ópticas lúdicas
abocanho arquétipos, arquipélagos, ângulos
hipóteses, hipérboles e
todos os incômodos sociais que vicejo
guardo nas páginas dos meus cadernos
Meu vetor artístico se derrama
na realidade esdrúxula,
sob os mandos do governo tirânico
que à minha alma poética não cabe
nem uma dúzia
nos meus cálculos,
entre o máximo e o mínimo,
eu sou música
Contra os domínios,
sou o contrário
pois entre o político e o poético
eu prefiro misturar.