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Foto do escritorBeija-Flor Editorial

Treinador/a Esportivo/a: o ser humano ´antifrágil´



Por Bruno Pasquarelli


Caro/a leitor/a, já adianto que esse texto está diretamente influenciado e relacionado a uma leitura indicada pelo professor e amigo Wilton Santana do livro "Antifrágil" (2012), do autor libanês-americano Nassim Nicholas Taleb.


Esse livro me chamou muito a atenção para compreender melhor sistemas complexos, principalmente em áreas que não tenho conhecimento e não consigo refletir muito sobre o assunto, como o mercado financeiro, a macroeconomia e a geopolítica. 


Mas quando o autor trata de temas da sociedade, como o mercado de trabalho, a psicologia social e o comportamento humano, eu consegui facilmente fazer analogias e anotações enquanto lia, pois ela está fortemente relacionada ao que eu (treinador de futebol) faço: lidar e liderar pessoas em desenvolvimento, conviver com a cultura de um fenômeno popular com forte atração social (futebol) e com um sistema muito competitivo (esporte).


Dentro desse escopo eu consegui traçar paralelos com a carreira de treinador/a esportivo/a em geral, embora meu espaço de fala seja mais voltado ao futebol. Então, trago aqui algumas reflexões.


Para o autor, o ser humano antifrágil não é aquele/a que é a antítese de frágil (aquele/a que se fragiliza facilmente). Para isso, ele denomina outro termo: robusto (aquele/a que possui certa rigidez e inflexibilidade). Sendo assim, a antifragilidade é um espectro entre o ser humano frágil e o robusto, por assim dizer.


Não é possível ser um/a treinador/a sem ser, ou se tornar, um ser humano antifrágil. O ambiente te provoca a resistir e superar os momentos de incerteza e dificuldade. Passamos quase todo o ano na incerteza, treinando sem ter o controle total do desempenho das/os atletas, sujeitas/os a perdê-las/os por lesão, transferência, quedas de desempenho, entre outros fatores. Além disso, como apenas um sagra-se campeão em cada competição, é provável que os resultados não atinjam as expectativas iniciais.


Também podemos passar por momentos difíceis de relacionamento: crises entre atletas, entre o corpo técnico, dirigentes, empresários, entre torcida; enfim, atritos acontecem como em qualquer relação humana, não é mesmo?

Outro fator, é que, quanto mais alto for o nível competitivo que você trabalha, mais o calendário é massante, cheio de viagens, compromissos e responsabilidades inadiáveis, que não esperam que estejamos prontos, portanto somos nós que temos que constantemente nos adaptar e dedicar muito tempo à preparação. E, por essa razão, não permite balancear a vida-trabalho e que sejamos frágeis.

Uma constante na vida de quem está no esporte é que não podemos repetir sempre os nossos comportamentos. A natureza dos acontecimentos não nos deixa acomodados, portanto, um indivíduo robusto, inflexível à mudança, não se adapta a este perfil. Eventos estocásticos (que provém de padrões aleatórios) nos impedem de criar um método infalível. Por isso, para ser um/a treinador/a é preciso viver sempre em processo de reorganização e criação.


Além desse ambiente caótico enquanto estamos trabalhando, o mercado de trabalho comporta-se de uma maneira até pior. Acredito que em nenhuma carreira o crescimento é linear. A do/a treinador/a não foge à regra. Eu diria até que ela é o extremo da regra, ou seja, das carreiras profissionais, a do/a treinador/a é um dos maiores exemplos da não-linearidade. Estamos sujeitos a perder/ganhar/empatar, sujeitos à pressão social externa de torcedores, família, dirigentes, etc., e sujeitos a perder o nosso emprego a cada vez que algum time mais preparado vença as competições que gostaríamos de ter ganhado.

Em um campo no qual o tempo de preparação é muito maior que o tempo de competição e a probabilidade de ganhar depende de muitos fatores, a lição que tirei sobre o ser antifrágil é que: podemos nos tornar cada vez melhores a partir de eventos aleatórios (derrotas, demissões, problemas de relacionamento, entre outras situações); temos que aprender com os eventos do passado, com a volatilidade, com a desordem, e buscar estabelecer cada vez mais padrões de reorganização; devemos nos tornar impermeáveis à mudança, ou seja, mudar junto com a mudança.

A vida de treinador/a é estar, inevitavelmente, exposto ao erro. E, lendo o livro, refleti sobre três tipos de erros que treinadoras/es cometem. O erro pela desistência ou falta de iniciativa (frágil), o erro da inércia ou falta de necessidade de mudar (robusto) e o erro das tentativas ou criação não forçada que é colocada à prova, mas que pode não superar as expectativas (antifrágil).


Sabendo que o esporte está cheio de fatores imprevisíveis que podem te colocar para baixo, ser frágil só te expulsa para fora desse ambiente, portanto, desistir não deve ser uma opção se quiser realmente viver a carreira de treinador/a.


Mesmo que algo tenha dado muito certo no passado, se você achar que a força que adquiriu é suficiente para prosseguir e não se importar em descobrir novos meios e métodos (robusto), com certeza faltarão recursos para lidar com as mudanças, pois no esporte, o lugar mais alto é revezado, de tempos em tempos, entre os que conseguiram fazer algo original e inovador.


A verdade é que o mercado e o ambiente de trabalho para o/a treinador/a não é oportuno e saudável. A intolerância ao erro (mesmo sendo parte importante do crescimento) e a pressão por resultados faz com que tenhamos que nos adaptar a uma cultura de anseios imediatos. No esporte, na gestão de pessoas e para o desenvolvimento do potencial humano isso é antinatural, pois o tempo deveria ser nosso amigo e não nosso inimigo, deveríamos ter mais espaço para novas ideias e tempo para trabalhar nas mudanças necessárias. Entretanto, esse fato da cultura atual tem feito com que treinadoras/es esportivas/os sirvam seu tempo de vida por uma causa injusta, com baixa expectativa de valorização, pois não tem tempo e oportunidade para tornarem-se antifrágeis de forma natural. Acredito que esse é um tema pelo qual gostaria de me aprofundar mais, talvez seja um assunto para um outro momento.


Nesse sentido, gostaria de destacar que o/a treinador/a antifrágil é aquele/a que busca aprender com o ambiente existindo e resistindo as contínuas pressões por mostrar aptidão, é aquele/a que torna-se invulnerável às contínuas quedas, que torna-se forte as custas de pequenos tropeços e momentos de irregularidade e inconstância do passado, é aquele/a que não evita a dor, porque sabe que se desistir provavelmente não vai conseguir chegar aonde quer, e é também aquele/a que quando é injustiçado e atacado consegue ficar ainda mais forte. Por fim, acredito que entender a antifragilidade pode ajudar o/a treinador/a - e qualquer pessoa - a ser um ser humano auspicioso, mais preparado para viver no dinâmico e complexo mundo atual.


Até a próxima.


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