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Foto do escritorBeija-Flor Editorial

ÁGUAS DE OUTONO: ENCHENTE DE 2024 NO RIO GRANDE DO SUL



Por Maria José de Melo


Nesta coluna na qual escrevo para a Beija-flor Editorial, geralmente trago reflexões acerca da temática do Transtorno do Espectro Autista (TEA). No entanto, em razão dos últimos acontecimentos sociais relacionados às enchentes ocorridas entre abril e maio deste ano de 2024, no estado do Rio Grande do Sul, a temática abordada será temporariamente redirecionada. Voltarei a abordar novamente o TEA em outubro de 2024, seguindo o formato de texto que dei início em março deste ano.

Antes de tudo, preciso pontuar que sou graduada em geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e minhas pesquisas versam sobre impactos de grandes obras no Semiárido brasileiro, com destaque para a transposição do Rio São Francisco. A minha aproximação investigativa com a temática dos impactos sociais e ambientais gerados pelas grandes obras despertou-me interesse por escrever sobre a enchente na Região Metropolitana de Porto Alegre (RS). Ressalto que em 2022, vários municípios da Região Metropolitana de Recife (PE) vivenciaram uma situação semelhante à gaúcha (porém em uma proporção menor de destruição). Sei o quanto é assustador não conseguir dormir à noite com medo da intensidade da chuva que não dá trégua, especialmente quando chega o final do outono e o início do inverno. Ou mesmo andar vários quilômetros a pé em busca de água, devido à persistência da seca no Semiárido nordestino. Infelizmente, uma destruição como a ocorrida no estado do RS é um cenário que podemos ver em outros estados brasileiros, se nada for feito para evitar.

 

Deixo aqui toda minha solidariedade ao povo gaúcho. A luta é o único motor de transformação social e histórica de nossa realidade!

 

Certamente, você já ouviu alguém falar: “As gerações futuras serão aquelas que precisarão proteger o meio ambiente”. Saia correndo se estiver em alguma palestra romantizada sobre Meio Ambiente, na qual a problemática ambiental seja tratada como uma questão das futuras gerações! Chega! O problema é daqueles que vivem o momento presente e precisamos encontrar soluções. Subitamente, a conta chegou; agora, precisamos fazer um esforço intelectual e começar a pensar e agir de forma diferente, na prática. Desde a metade do século XX, o alerta amarelo sinalizava sobre os possíveis impactos dos eventos climáticos. Agora todos os alertas estão sinalizados. Porém, alguns prefeririam continuar com o seu modelo destruidor de produção e de consumo. Lembrei da famosa frase: “do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” (BRECHT, 1973, p. 71).

 

O mais cruel é ver o mar de destruição deixado pela prática destruidora do capital, que visa o lucro da alta burguesia. Assim, a negação da realidade se materializa como um viés necessário para a manutenção da ordem social... Em maio de 2024, a escritora gaúcha Michele Fernandes, a qual conversei, relatou através da escrita para mim o ocorrido no RS, no mês de maio de 2024. Ela comenta o seguinte a respeito da reação da burguesia diante desses acontecimentos: “Poderíamos aprender que somos insignificantes moradores de uma pedra gigante que gira ao redor do sol e fazer o mínimo que precisamos, nos ajudar. Mas mesmo depois da tragédia, a ganância ainda impera para alguns. A empresa de grande porte onde trabalha o meu marido não parou de funcionar em nenhum momento, mesmo sabendo da dificuldade dos funcionários em chegar lá, mesmo diante da necessidade de mão de obra voluntária. Não havia água na cidade, e a empresa com mais de mil funcionários e três chuveiros emitiu a nota: ‘Será permitido tomar banho na empresa, usem o horário de almoço’ — faça as contas e confira a ridicularidade da oferta, síntese da generosidade da alta burguesia”.

 

Outro comentário da escritora acima mencionada e também escrito em maio retrata a inconformidade diante da inércia dos representantes políticos: “A nossa rotina mudou, sim. Muita coisa mudou. Muita gente reavaliará se deve mesmo voltar para casa. Há muito o que reconstruir, mas vale a pena? Queremos saber o quanto o governo investirá para garantir uma infraestrutura capaz de proteger a população de possíveis (e previsíveis) novas catástrofes como essas. Mais do que isso, queremos saber se haverá um plano para devolver ao meio ambiente pelo menos parte do que tiramos dele e com isso evitar novas enchentes, ciclones, deslizamentos e tremores de terra. Sim, tudo isso está acontecendo aqui. Tudo, portanto, é urgente”.

 

São diversas as perguntas que precisamos fazer sobre ocorridos como esse no RS. E ainda mais urgentes são as respostas efetivas que a população gaúcha necessita. É necessário que o Estado garanta as condições básicas de sobrevivência para que os afetados pelas enchentes possam mudar a situação social e econômica de grande vulnerabilidade na qual se encontram. Portanto, é preciso cobrar incansavelmente às autoridades responsáveis respostas e medidas para que “tragédias” socialmente anunciadas como essa não voltem a acontecer.

 

Não podemos jamais esquecer e levar a vida como ela nos é imposta. O negacionismo tendencioso consiste em afirmar que o aquecimento global não existe. Os negacionistas são os mesmos que negam a exploração do trabalho e os crimes do capitalismo contra a humanidade ou qualquer ser vivo na Terra. A falta de consciência de classe e o analfabetismo ambiental contribuíram consideravelmente para o que podemos considerar inércia social, ou mesmo uma paralisia assombrosa.

 

Dito isso, a fim de facilitar o entendimento dos leitores, dividi o texto em três partes: PARTE I – MEIO AMBIENTE; PARTE II – AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS e PARTE III – ENCHENTE FENÔMENO SOCIAL OU FÍSICO? Sei o quanto é importante abordar esse assunto de forma técnica, crítica e profunda, e sempre com uma linguagem acessível para o entendimento das pessoas de forma geral.

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