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Foto do escritorBeija-Flor Editorial

ÁGUAS DE OUTONO: ENCHENTE DE 2024 NO RIO GRANDE DO SUL



Por Maria José de Melo

 

A água baixou

A humanidade parou!

Multiplicaram-se os transtornos para a população

A reação é necessária

Daquele que labuta

A luta popular é o único caminho luminoso.

Trecho do Poema: Dialética da Omissão. Escrito em 25 e 29 de maio de 2022, por Maria José de Melo, publicado no livro “A JITIRANA POÉTICA” (Toma Aí Um Poema/2023).

 

PARTE III – ENCHENTE – FENÔMENO SOCIAL OU FÍSICO?

 

Antes de tudo, é necessário entender que, tal como a historiografia nos ensina e se costuma dizer, o problema das enchentes nas regiões metropolitanas brasileiras, em especial, as ocorridas no Rio Grande do Sul (RS), em 2024, não é condicionado somente por um fator natural e físico (concentração das chuvas, por exemplo). Esses fatores advêm de condições geográficas – como a posição geográfica, ou seja, o relevo, a formação das bacias hidrográficas, o arranjo da sua superfície e os sistemas de pressão atuantes na região. Em termos gerais, podemos considerar que os condicionantes, para além dos naturais responsáveis pelas enchentes em Porto Alegre, foi particularmente a falha no sistema antienchente do estado do (RS) e dos respectivos municípios. Dessa forma, não se trata apenas de fatores naturais, mas, sobretudo, sociais, econômicos e políticos, em razão de problemas estruturais e históricos – velhos, inclusive, vigentes desde o surgimento das cidades.

Nesse entendimento, assim como os fatores da causa desse fenômeno são diversos, os impactos para a população também os são. Vejamos a seguir como esses fatores se apresentam.

Fatores socioeconômicos

A enchente ocorrida no (RS) neste ano foi jamais antes documentada e vista desde a que ocorreu na década de 1940. Os transbordamentos das águas de bacias hidrográficas que formam o Lago Guaíba e Lagoa dos Patos, chegaram a sua conta de inundação muito superior a qualquer estrutura presente feita com base em cheias anteriores, aliás, ultrapassadas e insuficientes para conter águas em grandes volumes. Portanto, os fatores socioeconômicos dos impactos foram multiplicados em comparação com aquela realidade da década de 1940. O número de pessoas atingidas cresceu de forma avassaladora; a população mais vulnerável se caracteriza como indivíduo ou grupo social vulnerável na estrutura social, com baixa escolaridade, instabilidade na ocupação profissional dos pais e familiares, acesso precarizado à moradia (local de risco onde fica a residência) e a renda econômica familiar.

Nesse sentido, a concentração das chuvas faz confluência com a pobreza econômica e vulnerabilidades da população, a irregularidade de planejamento estratégico das cidades a falta de planejamento urbano, ausência de saneamento e de sistemas de drenagem. Mas também a ocupação irregular nas margens ribeirinhas dos rios, seja pela população mais pobre como necessidade de sobrevivência ou como expansão da especulação imobiliária, esses dois movimentos exploraram e aterraram as áreas de várzeas, em vez da conservação dos estoques ambientais. Consequentemente, a impermeabilização do solo gerou mais vasão para a chuva em cima do asfalto.   

Responsabilidades do Poder Público

No estado do (RS), por exemplo, há diversas universidades públicas e órgãos estatais que deveriam ser capazes de gerir e de executar pesquisas sobre os possíveis impactos das catástrofes naturais, a fim de poder diminuir os impactos para a população ou qualquer ser vivo. No caso das enchentes de 2024, será que nenhuma dessas instituições ou nenhum desses órgãos possui sistemas meteorológicos com tecnologias precisas e avançadas as quais pudessem prever possíveis acontecimentos como os que ocorreram em maio e junho de 2024?

Ademais, vale salientar que Porto Alegre tem diversos históricos de enchentes e inundações de rios. Desse modo, as gestões estaduais e municipais deveriam, de forma articulada, capacitar e organizar a Defesa Civil, uma vez que este é o órgão responsável por um conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas, destinadas a evitar ou minimizar os desastres naturais e os incidentes tecnológicos. Mas a destruição provocada pelo sucateamento e pelo processo de exploração desenfreado da natureza e dos territórios foi imensa. A verdade é que não houve nenhum tipo de alerta para a população sobre o que poderia acontecer. Tudo que aconteceu é vergonho demais! Como consequência da ineficiência do Estado, em relação às medidas de contenção e protetivas aos desastres naturais-climáticos. Ou seja, o desmonte de órgãos dos serviços públicos direcionados para o planejamento urbano e a mitigação dos desastres naturais ou climáticos.

A enchente ocorrida no RS pode ser entendida, do ponto de vista jurídico, a partir da base de previsão Constitucional da responsabilidade civil da administração pública, que está insculpida no artigo 37§ 6º, da Constituição Federal de 1988. Neste artigo, está expresso: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadora de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direto de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

A ausência de ação do Estado força a população abandonada a buscar suas próprias formas de organização, de respostas e de encontrar soluções, embora encontrem pelo caminho desafios e traições, mas também muita fortaleza e solidariedade.

Fatores físicos e naturais

As frentes frias não conseguiam avançar para além do sul do Brasil, pois encontram um bloqueio atmosférico na região central. Assim, as correntes de ar ficam impedidas de circular para outras regiões do país, em virtude da pressão da barreira de calor decorrente do aquecimento do Oceano Pacífico e esfriamento do Oceano Atlântico. Com a atuação do fenômeno El Niño, caracterizado por uma fase quente do Oceano Pacífico Central, este oceano fica mais quente do que o normal, aumentando a instabilidade. Por outro lado, neste período, encontramos também um sistema de Baixas Pressões, calor e alta umidade: a combinação desses fatores provocou chuva torrenciais que começou em março e intensificou-se em maio, causando inundações em áreas urbanas e rurais no estado do (RS).

Portanto, são fenômenos que são confluídos em uma única região. Para além, disso, temos a posição geográfica, ou seja, a formação do relevo conformada por dois planaltos (norte e sul) no estado do (RS), constitui um divisor de águas, formando, assim, as suas bacias hidrográficas. Algumas delas descem no sentido oeste para o Rio Uruguai e outras, para o leste em direção ao oceano atlântico, em forma de funil em direção a Porto Alegre. É de se esperar, nesta época do ano, chuvas concentradas nas cabeceiras dos rios do RS e parte delas descem em direção ao Guaíba – Lago nas suas margens e no seu meio recebe águas do Rio Jacuí; quando enche, extravasa e ocupa todas as suas áreas de várzeas.

Todos esses fatores precisam ser levados em consideração, pois somente assim é possível identificar a região mais vulnerável a esses eventos, e o alerta, emitido.

O que pensar e fazer nessas horas de agonia?

É consenso o entendimento de que as cidades brasileiras cresceram de forma desordenada no decorrer da história e algumas delas com características geográficas específicas, o que as tornou mais vulneráveis do ponto de vista social e sua população pôde sofrer, ao longo dos anos, impactos mais severos. Essas condições são principalmente identificadas em áreas ribeirinhas, nas quais ocorre inundação de rios e lagos, haja vista que enchentes de rios também são um fenômeno natural, mas, considerando a historicidade, elas ocorriam em uma potencialidade menor de destruição e de impactos para a respectiva população. Na especificidade do estado do (RS), parte da capital Porto Alegre e de sua região metropolitana ficam encravadas na planície litorânea, sendo cortada por rios que drenam seus cursos de água para formar o Lago Guaíba e a Lagoa dos Patos. No decorrer dos anos, em consequência do aumento das áreas urbanas, tornou-se planície de inundação aterrada.

Os fenômenos físicos e naturais sofrem alterações ao longo dos anos, e, de maneira geral, todas essas mudanças tem sido estudadas. Os alertas podem chegar com antecedência para a população. Mesmo o clima tendo seu caráter imprevisível, alterado pela potencialidade das mudanças climáticas, é estudado por diversos especialistas. Embora, esses sejam ignorados pelo negacionismo, ou a verba foi insuficiente para finalizar os estudos. Então, se chega à conclusão de que foram as autoridades que não tomaram uma atitude, pois nunca se preocupou com o povo de forma geral. 

O fator humano no processo de alterações nas mudanças climáticas tem como principal marcador a Revolução Industrial, o qual acredito ser o principal causador dessas mudanças. Estas, por sua vez, podem provocar mudanças significativas no regime médio de chuvas de uma determinada região, para mais ou para menos; no caso do (RS), é para mais. As consequências dessas mudanças são enchentes de rios e lagos, advindas de precipitações fora das proporções médias, somam-se aos fatores físicos (de relevo e hidrografia), encontram cidades despreparadas e provocam uma potencialidade do fenômeno da enchente como crimes ambientais advindos de desastres climáticos pela ausência de poder público.

Então, quando acontece uma enchente na proporção como aconteceu no (RS), consequentemente, ao entorna dela se cria um palco de debates, cheios de informações ou diversas teorias, sejam elas de conspiração, negacionistas, oportunistas ou teoria crítica e social, preocupada com resoluções de problemas para a população e cidades atingidas. Será que as pessoas não encontram respostas em meios ao caos? A resposta quem dá é a própria população impactada. Em alguns dos textos desta série, trouxe o comentário da escritora gaúcha Michele Fernandes, moradora de Porto Alegre. Segue mais um comentário dela a respeito desses acontecimentos no (RS): “A gente sente o clima de luto quando cruza com alguém na rua. Há um pesar que paira em toda a cidade. Em todo o Rio Grande do Sul, acredito. Esse sentimento faz a gente se mexer e querer ajudar. Quase todo mundo está procurando o seu jeito de fazer com que doa menos. Ser voluntário, estar na linha de frente, coordenar uma campanha, divulgar os meios de auxílio. Essa energia é o que separa o caos da esperança”.

De uma coisa sabemos: as pessoas só são capazes de agir nos limites que a sua própria realidade impõe. Se essa realidade é cheia de déficits na educação e na cultura, se a pobreza extrema se faz presente de forma assídua, se não há acesso à moradia digna, como as autoridades e determinadas pessoas equivocadas impõem à população mais vulnerável responsabilidade pela condição na qual se encontram?! A verdade é que todas essas ações são feitas conscientemente; existe estratégia ideológica e política por trás de tudo isso.

Negar a existência do fenômeno, seja ele histórico, social, físico ou natural, apesar de evidências e argumentos que o comprovam, é uma forma de manter o caos e a ordem vigente de destruição em prol do lucro com a exploração da mão de obra do trabalho. Todos esses eventos são apresentados como tragédia ambiental e se repetem como farsa política. O Estado, em todos os âmbitos governamentais, é irresponsável! E a ausência de consciência de classe impede que a população tenha estratégias de resistência para confrontar essa ausência do Estado.

A história está aí para comprovar: a questão ambiental sem consciência de classe acaba sendo nada mais do que uma jardinagem. Urgentemente, precisamos mais entender o pensamento de Karl Marx: “o motor da história é a luta entre as classes sociais, responsáveis por produzir as transformações mais importantes da humanidade”. Se de um lado estão sempre os dominadores, de outro, sempre estarão os dominados. Ou acabamos com eles ou eles acabam com tudo. Os primeiros são os que detêm os meios de produção (terra, propriedade privada, máquinas, indústrias, etc.), já os segundos são aqueles que só possuem a própria força de trabalho e que, para sobreviver, são forçados à servidão assalariada. Chegou a hora dos dominados se organizarem e dizerem que não tolerarão mais perder tudo quando a chuva chegar no seu estado ou município!

 

TODA A SOLIDARIEDADE AO POVO GAÚCHO!

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